É comum ouvir as pessoas se lamentarem de que os jovens encontram-se envolvidos apenas com o universo cibernético, mas não seduzidos por livros. Pergunta-se: qual é o papel familiar nesse processo? E a resposta está longe de ver a família como coadjuvante nessa história. Faz-se necessária a contribuição efetiva da família para que haja um incentivo, um lugar construído para a leitura, e assim não delegue essa responsabilidade apenas para a escola. Primeiramente, deve-se enfatizar que o processo da leitura não acontece somente no contato com um livro, revista ou jornal. A leitura precisa ser compreendida também como uma leitura de mundo. Sendo assim, o trabalho de interpretação, de construção de significados será mais rico e produtivo se exercitado em diversos momentos e esse processo é uma construção conjunta, que não se restringe à escola.
Ler não é apenas decodificar: é também decodificar. A polissemia desse verbo está presente em diversos campos do conhecimento, que vão desde a ciência e tecnologia até a filosofia, música, as artes, a literatura. O leitor participa de um jogo, muitas vezes sedutor, em que a resposta única não existe, existe a resposta possível em face de inúmeras leituras, a resposta aceitável diante de uma argumentação coerente. O leitor preenche as lacunas deixadas no texto, com suas referências múltiplas, evocadas por signos textuais e acionadas por um coautor, através de seus recursos cognitivos. Nessa perspectiva, a leitura instiga a pensar de forma articulada e caminha para um exercício de interpretação, que está | além do código linguístico. É um processo interativo em que é imprescindível o conhecimento prévio, no sentido linguístico, textual, mas também a leitura de mundo. A bagagem trazida no ato da leitura faz com que o exercício passe da superficialidade e torne-se enriquecedor. Na obra O ato da leitura, Wolfang Iser trabalha o processo da leitura como a interação dinâmica entre texto e leitor e ressalta que o não dito estimula os códigos, os atos de constituição de sentido, incentivando o leitor a ocupar os vazios do texto com suas projeções.
A leitura passa pelo envolvimento, pela decodificação de símbolos, pelo prazer e, consequentemente, pela construção de significados. Roland Barthes via o texto como prazer e nesse universo caberia falar de emoção, de fruição, de expressões ambíguas como prazer do texto e texto de prazer: “ Haveria uma mística do texto – Todo o esforço consiste, ao contrário, em materializar o prazer do texto, em fazer do texto um objeto de prazer como os outros.” O prazer, cujo significado associa-se a contentamento, alegria, boa vontade, agrado, distração e divertimento, requer algo que transcende a simples teoria, e que seja efetivamente vivido. Sabe-se: melhor que a teoria é o aprendizado pelo exemplo, que produz um efeito ainda mais real. Nesse sentido, a escola não pode estar solitária: há o papel solidário e imprescindível da família, que abrirá espaços para que os momentos de leitura se façam presentes no dia a dia. As experiências compartilhadas, as leituras feitas em diversos níveis, que não se | restringem apenas aos livros, mas se estendem a filmes, propagandas e músicas podem ser instrumentos para que o mundo seja percebido sob uma perspectiva enriquecedora de relacionar a ficção à realidade.
O diálogo estabelecido entre texto e leitor suscita a ideia de que o texto é um elemento vivo, uma materialidade de significantes que o autor articulou. Contudo, só toma corpo com o olhar do outro. O leitor, sob a ótica de suas experiências, conduz a leitura de forma mais prazerosa, ou não. Assim, a leitura passa por caminhos descontínuos, onde quem lê aciona seus links intertextuais. Mudar o perfil de uma sociedade letrada, mas que não vê a leitura como prazer, como diversão, é mudar um universo culturalmente construído em que ler é sinônimo de imposição, de obrigação e de necessidade. A leitura deve deixar seu lugar estratégico de busca de conhecimento para se transformar em deleite. Descobrir que algo, até então visto como objeto de punição, pode ser prazeroso, instigante e desafiador é se ver diante de um tipo de texto que se casa com seus desejos ou que, mesmo indo de encontro aos seus pensamentos, é reflexivo e promove o crescimento. Tornar-se leitor autônomo, questionador e, portanto, coautor de um texto, é o primeiro passo para entender que a leitura está além dos livros e que um texto só ganha vida quando alguém imprime suas inferências, contribuindo para que as palavras deixem de ser apenas um signo linguístico. Quando alguém relaciona a realidade ficcional com a realidade em que se vive |
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