Por que dizemos universidade e não
pluriversidade? Trata-se de uma instituição que comporta diferentes disciplinas.
Multicultural, nela coabita a diversidade de saberes. O título universidade
simboliza a sinergia que deveria existir entre os diversos campos do saber.
Característica lamentável em nossas universidades, hoje, é a falta de sinergia.
Carecem de projeto pedagógico estratégico. Não se perguntam que categoria de
profissionais querem formar, com que objetivos, de acordo com quais parâmetros
éticos. Ora, quando não se faz tal indagação, é o sistema neoliberal, centrado
no paradigma do mercado, que impõe a resposta. Não há neutralidade. Se o limbo
foi, há pouco, abolido da doutrina católica, no campo dos saberes ele nunca teve
lugar. Um cristão acredita nos dogmas de sua igreja. Mas é no mínimo ingênuo,
senão ridículo, como assinala o filósofo Hilton Japiassu, um mestre ou
pesquisador acadêmico crer no propalado dogma da imaculada concepção da
neutralidade científica.
Em que medida nossas instituições de
ensino superior são verdadeiramente universidades, ou seja, se regem por uma
direção, um enfoque dialógico, um projeto pedagógico estratégico? Ou se
restringem a formar profissionais qualificados destituídos de espírito crítico,
voltados a anabolizar o sistema de apropriação privada de riquezas em detrimento
de direitos coletivos e indiferente à exclusão social? A universidade, como toda
escola, é um laboratório político, embora muitos o ignorem. E a política, como a
religião, comporta um viés opressor e um viés libertador. Como diria Fernando
Sabino, são facas de dois legumes. |
Um dos fatores de desalienação da
universidade reside na extensão universitária. Ela é a ponte entre a
universidade e a sociedade, a escola e a comunidade.
As universidades nasceram à sombra dos
mosteiros. Estes, outrora, eram erguidos distantes das cidades, o que inspirou a
ideia de câmpus, centro escolar que não se mescla às inquietações cotidianas,
onde alunos e professores, monges do saber, vivem enclausurados numa espécie de
céu epistemológico. Como assinalava Marx, dali contemplam a realidade,
tranquilos, agraciados pelas musas, encerrados na confortável câmara de uma
erudição especializada, que pouco ou nada influi na vida social. Essa crítica à
universidade data do século 19, quando teve início a extensão universitária. Em
1867, a Universidade de Cambridge, Inglaterra, promoveu um ciclo de conferências
aberto ao público. Pela primeira vez, a academia abria suas portas a quem não
tinha matrícula, o que deu origem à criação de universidades populares. Antonio
Gramsci estudou numa universidade popular na Itália. A experiência o fez
despertar para o conceito de universidade como aparelho hegemônico que se
relaciona com a sociedade de modo legitimador ou questionador. Para ele, uma
instituição crítica deveria, através dos mecanismos de extensão universitária,
produzir conhecimentos acessíveis ao povo.
Na América Latina, antes de Gramsci houve
o pioneirismo da reforma da Universidade de Córdoba, em 1918. A classe média se
mobilizou para que as universidades controladas pelos |
filhos dos latifundiários e pelo clero
se abrissem a outros
segmentos sociais. Fez-se forte protesto contra o alheamento olímpico da
universidade, sua imobilidade senil, seu desprezo pelas carências da comunidade
entorno. A proposta de abrir a universidade à sociedade alcançou sua maturidade,
na América Latina, no 1º Congresso das Universidades Latino-Americanas, reunido
na Universidade de San Carlos, na Guatemala, em 1949. O documento final rezava:
“A universidade é uma instituição a serviço direto da comunidade, cuja
existência se justifica enquanto desempenha uma ação contínua de caráter social,
educativo e cultural, aliando-se a todas as forças vivas da nação para analisar
seus problemas, ajudar a solucioná-los e orientar adequadamente as forças
coletivas. A universidade não pode permanecer alheia à vida cívica dos povos,
pois tem a missão fundamental de formar gerações criadoras, plenas de energia e
fé, consciente de seus altos destinos e de seu indeclinável papel histórico a
serviço da democracia, da liberdade e da dignidade dos homens.” Neste mundo
hegemonizado por transnacionais da mídia mais interessadas em formar consumistas
que cidadãos, nossas universidades, 62 anos depois do alerta de San Carlos,
ainda não priorizam o cultivo dos valores próprios de nossas culturas nem
participam ativamente do esforço de resistência e sobrevivência de nossa
identidade cultural. O que deveria se traduzir no empenho para erradicar a
miséria, o analfabetismo, a degradação ambiental, a superação de preconceitos e
discriminações de ordem racial, social e religios. |
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