A volta às aulas hoje nas escolas estaduais de Minas Gerais marca o fim do currículo do ensino médio desfalcado – com menos disciplinas – e aposenta um modelo de educação criticado por especialistas, professores, pais e alunos. Três anos depois da implantação do formato que dava ênfase a áreas do conhecimento nas salas de aula e eliminava a obrigatoriedade do ensino de todas as matérias no 2º e 3º anos do nível médio, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) recua, reconhecendo a ineficiência da iniciativa, e adota um novo sistema de aprendizagem. A partir deste ano, os 747 mil alunos do ensino médio de Minas terão direito à oferta de 12 disciplinas no 1º ano e de 10 nos dois anos finais. A mudança foi definida depois de pesquisa da SEE com as Superintendências Regionais de Ensino (SREs) sobre os principais entraves e dificuldades para o ensino médio no estado. No levantamento, feito em agosto, 88% das 47 SREs apontaram a ênfase curricular por área do conhecimento como o maior problema do nível médio. De acordo com o modelo, que vigorou de 2009 até o ano passado, as turmas de 2º e 3º anos foram divididas em três áreas: ciências humanas, exatas e biológicas. Em todas elas, eram obrigatórias apenas as disciplinas de língua portuguesa, matemática, filosofia, sociologia e educação física.
As demais matérias eram opcionais de acordo com a área de ênfase, sendo que a escola deveria oferecer um mínimo de nove disciplinas. Na prática, isso significava que, nas salas de ciências humanas, os alunos poderiam ficar sem aulas de física, química ou biologia. Nas turmas de ciências exatas, as unidades de ensino tinham liberdade para não ofertar química, biologia, geografia, história ou língua estrangeira. E, nas classes de ciências biológicas, os estudantes poderiam não estudar física, geografia, história ou língua estrangeira. A opção pela área do conhecimento para os estudos deveria ser feita pelo aluno, de acordo com os seus interesses pessoais, como foco no vestibular ou no mercado de trabalho. | Mas um dos pontos mais polêmicos da resolução que regia a ênfase é que a escola também tinha autonomia para apresentar proposta curricular diferenciada de acordo com o entendimento dela sobre as necessidades do aluno. Ou seja, um estudante com mau desempenho em física poderia, por exemplo, ser encaixado numa turma de humanas, independentemente da vontade dele. Outra limitação, segundo a Secretaria de Educação, é que muitas cidades do interior de Minas com menos de 50 mil habitantes tinham apenas uma ou duas turmas de ensino médio e, nesse caso, alguma área do conhecimento poderia não ser contemplada.
Segundo a superintendente de Desenvolvimento do Ensino Médio da SEE, Audrey Regina Oliveira, a ênfase pode ter acarretado prejuízos para os estudantes, principalmente nos vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Na hora da prova, os alunos não tinham todos os conhecimentos necessários por não terem tido acesso à grade curricular completa nos 2º e 3º anos. Quando a ênfase foi criada, esperava-se que a escola optasse pela área do conhecimento depois de ouvir a comunidade. Com isso, a unidade de ensino seria um retrato da vocação da juventude ali inserida. Mas, na prática, isso não ocorreu. Então, estamos reestruturando o ensino médio para torná-lo mais viável e palpável para os interesses dos jovens”, explica Audrey.
GANHOS O fim do modelo de ênfase é comemorado em algumas escolas estaduais, como na Governador Milton Campos (o Estadual Central), no Bairro de Lourdes, Região Centro-Sul, e na Paschoal Comanducci, no Bairro Jaqueline, Regional Norte, em BH. Segundo o diretor do Estadual Central, Jefferson Pimenta, a proposta vai favorecer alunos na disputa por vaga nas universidades. “Acabar com a ênfase é um ganho. Apenas alunos com mais de 70% de aproveitamento no 1º ano podiam optar pela área de interesse deles. Os demais eram remanejados no 2º ano de acordo com o entendimento dos professores para a área que o estudante tinha mais | dificuldade. Isso deixava as turmas desmotivadas. Além disso, acarretava problemas quando os alunos queriam mudar de ênfase do 2º para o 3º ano, pois eles tinham dificuldade de acompanhar as aulas”, diz.
Cleverson de Oliveira Maurício, de 19 anos, que acaba de concluir o ensino médio no Estadual Central, reclama dos desafios impostos pela ênfase. Com planos de cursar engenharia ambiental na universidade, ele optou pela área de exatas no 2º ano. Mas, como teve muita dificuldade com física, optou no 3º ano por uma turma de humanas, que não oferece a disciplina. “Acho que não tive boa base para fazer o Enem. Quando mudei de turma, fiquei feliz por pensar que tinha me livrado de um problema: as aulas de física. Mas não pensava que seria prejudicado no futuro e teria dificuldades no vestibular”, lamenta. Maria Paula Ferreira, de 17, também teve de fazer uma “manobra” na escola para não comprometer seu aprendizado. Apesar de interessada no vestibular para psicologia, ela não optou pela ênfase em humanas. “Escolhi a área de biológicas para não abrir mão da física, que considero essencial. Mas, no Enem, senti dificuldade em matemática e química, que não eram foco das minhas aulas. A ênfase nos ajuda a conhecer mais de uma determinada área e permite aprofundar o conhecimento, mas é ruim porque exclui outras disciplinas”, avalia.
O novo modelo de grade do ensino médio exige que as 12 disciplinas básicas sejam oferecidas no 1º ano (línguas portuguesa e estrangeira, arte, educação física, matemática, física, química, biologia, geografia, história, sociologia e filosofia). No 2º e 3º anos, a escola deve oferecer no mínimo 10 disciplinas desse cardápio. As mudanças entram em vigor este mês, mas pode haver exceção para alunos que, em 2012, vão cursar o 3º ano nas escolas que trabalharam com ênfase em 2011. Com isso, apenas em 2013 o sistema de divisão do ensino por áreas do conhecimento será totalmente abolido das 2.157 escolas estaduais com oferta de ensino médio. |
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